domingo, 27 de maio de 2012

VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER Vitor Manuel Ramalho



Tenho muito prazer em receber todos os familiares de Maria Archer nesta homenagem e, também, todos os que não são familiares e se quiseram associar.
Uma palavra muito especial para a Dra. Maria Barroso que está sempre presente nestas iniciativas culturais e, em especial, nas iniciativas dedicadas às mulheres. Não posso deixar de referenciar isto: Tenho aprendido muito sobre pessoas que eu não conheci e que a Dra. Maria Barroso me vai fazendo eco como é o caso de Maria Archer.
Quero também saudar a Sra. Dra. Risoleta Pinto Pedro pela intervenção que teve e, obviamente, a Manuela Aguiar que teve a iniciativa de levar a efeito esta sessão, a Maria Rita e ao Sr. Dr. Mário Soares muito obrigado pela sua presença.
Eu, obviamente, sou o anfitrião e não vou dizer nada de especial a não ser o gosto que tive em ouvir as diversas intervenções, inclusive, esta última da Dra. Risoleta.
Queria, apenas, deixar duas notas. Duas notas que têm a ver com o seguinte: Sempre me tocou muito o conceito de Natália Correia sobre o que nós somos. Ela dizia que ”Nós não somos uma Pátria, somos uma Mátria.” Eu acho que é, rigorosamente, assim. Nós calcorreámos conceitos multiculturais ao longo dos encontros e dos desencontros com outros povos e outros países.
E esta homenagem é exemplo disso. Deste encontro secular com outros povos e com outros países, expresso através de uma mulher com muita força, que é testemunho daquilo que somos. Daquilo que somos na afetividade.
Porquê Mátria? Porque, efetivamente, quando nós fomos para a epopeia dos descobrimentos quem esteve na terra a sustentar essa epopeia foram as mulheres.
A mesma coisa, nos anos sessenta, quando houve a emigração. Esta ligação à terra foi sempre feita pelas mulheres.
A mesma coisa quando foi a guerra colonial. Naquela altura as mulheres não podiam, sequer, participar no Exército, nem nas Forças Armadas, em geral.
E, portanto, esta ligação traduz-se nos muitos fios de água a correrem todos numa mesma direção e que nos dá este conceito que a Natália Correia agarrou tão bem.

É um prazer estar aqui.
A segunda nota diz que, eu sou daqueles que nunca compreenderei na vida a razão de ser desta incerteza sobre o futuro que sinto a cada dia os portugueses traduzirem, seja na rua, seja no emprego, seja no desemprego.
E não percebo. Porque nós temos uma dimensão verdadeiramente fantástica. Nós somos a sexta língua mais falada no Mundo. Nós somos a terceira língua mais falada no ocidente.
Hoje, neste mundo global, quando nos dizem que nós somos periféricos, permito-me discordar. Considero que somos completamente centrais.
Nós somos o país continental mais próximo das Américas.
Nós somos o país que faz fronteira com África.
Nós somos o país que tem a segunda cidade mais importante no Centro da Europa – Paris.
Nós temos o colosso que é o Brasil e que há pouco ouvimos a nossa querida amiga falar.
Isto é, também, Maria Archer. Mas é mesmo.
Estava a dizer que só uma conceção universalista do que somos pode levar a uma mulher destas. É verdade.
Estava a pensar em personalidades da nossa história, como o padre António Vieira, cujo avô preto era brasileiro. Muitas vezes nós desconhecemos isso. Sim, o padre António Vieira. O avô era preto e era brasileiro.
Isto é algo que só nós conseguimos fazer. Transportar realmente esta miscigenação não é uma coisa abstrata, é uma coisa real.
E Maria Archer falou, também, daquilo que é a minha terra. Eu tenho uma dupla pertença. Não. Eu tenho uma tripla pertença. Sou angolano. Nasci lá. Ninguém renega a mãe. Não o posso renegar. Sou simultaneamente português, europeu e lusófono. E é este mundo que nós temos hoje aqui, também, nesta homenagem.
Estou muito grato à Manuela Aguiar por ter trazido esta iniciativa até este Teatro – o Teatro da Trindade. Um teatro com uma tradição cultural fantástica. Um teatro com peças que são também exemplo de cultura.
Muito obrigado pelo facto de terem preferido o Teatro da Trindade para levar a efeito esta homenagem que me é tão cara por esta relação lusófona.
Muito obrigado.

Vítor Manuel Ramalho


Lisboa, 29 de Março de 2012

quinta-feira, 24 de maio de 2012

HOMENAGEM AO SENHOR PADRE RUI PEDRO


O Senhor Padre RUI PEDRO foi para nós, uma Associação voltada para a
defesa dos direitos das emigrantes e para os problemas das
migrações,ao longo de tantos anos, um aliado, um amigo, um exemplo de
espírito fraterno e de generosidade. Em inúmeras iniciativas e
jornadas de reflexão e solidariedade pudemos sempre contar com o seu
conselho e  apoio mobilizador!
 São muitos, evidentemente, os que partilham este sentimento de apreço
e amizade, porque toda a sua vida tem sido dedicada aos outros, com um
grande conhecimento e visão das realidades, a par de grande
compreensão  e simpatia pelas pessoas, de uma constante vontade de
ajudar e  uma enorme capacidade de acção concreta.
Este é o momento para lhe expressar a nossa gratidão e os votos de que
possa, por muito tempo ainda, continuar ao serviço de Deus e de um
mundo mais justo, na vivência dos valores cristãos.

terça-feira, 22 de maio de 2012

SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER - INTERVENÇÃO DA PROFª DOUTORA ELISABETH BATTISTA


Literatura e Solidariedade – um estudo de Brasil, Fronteira da África,
de Maria Archer
Elisabeth Battista1
Em meados do século passado a circulação literária entre Brasil e África, continente que
tanto mexeu com a imaginação de leitores, era praticamente inexistente. Tendo inaugurado seu
destino viajante por terras africanas em 1910, com apenas dez anos de idade, a escritora lusitana
Maria Archer lançou em 1957, durante o seu exílio no Brasil, na capital de São Paulo, a obra Brasil
Fronteira da África, dedicado ao público-leitor brasileiro e sul-americano. No horizonte do nosso
interesse está a busca por compreender como a captação da alma de um povo se materializa na obra da escritora, assim como, naquela altura, em que poucos falavam sobre a África no Brasil, Maria Archer contribuiu para o estímulo ao diálogo entre as literaturas brasileira e africana.
A escritora e jornalista Maria Archer, nome marcante da vida e cultura portuguesas, viveu
também em Angola, Guiné-Bissau, Niassa, Luanda e, a partir de 1955, no Brasil.
Sua presença, também, era regular em jornais e revistas, aliás, muitos de seus textos de
temática africana aparecem inicialmente na imprensa periódica lusitana. Esse detalhe da biografia
de Maria Archer ajudará a compreender a sua vasta bibliografia de temática colonial publicada ora
em livros, ora em periódicos, ora, ainda, em revistas especializadas como: O Mundo Português,
Portugal Colonial e Ultramar.
Assim, a consolidação de sua atividade como escritora e jornalista de matérias
coloniais foi fruto do interesse de uma época em que viu reunidas as condições necessárias
à produção e ao consumo desse gênero de literatura.
O repertório da autora, entretanto, não se reduz aos textos laborados para os Cadernos
Coloniais, como classificam alguns seguimentos da crítica, no sistema literário e sócio-histórico cultural, dado que se segue uma vida de intensa produção literária e intelectual ainda pouco
exploradas.
É, não obstante, em 1944 que produz o primeiro e seu mais importante romance Ela é
Apenas Mulher2, obra decididamente escandalosa para a moral da época. Não só pelo tema que


1Estágio Pós-Doutoral/Universidade de Lisboa – Bolsa de Investigação/CAPES, sob a Supervisão da Profa. Dra.
Inocência Mata, FLUL/Portugal. Docente no Programa de Pós-graduação em Estudos Literários – PPGEL, da
Universidade do Estado de Mato Grosso - UNEMAT/Brasil.
2Segundo Maria Tereza Horta cita no prefácio de Ela é Apenas Mulher (2001, p. VII). Este romance é um dos melhores retratos da situação das mulheres portuguesas da primeira metade do século XX, “o único retrato autêntico de corpo inteiro”.


continua atual no que diz respeito à condição feminina, mas porque, como mulher, encontrou a
forma adequada para abordar o assunto a que se propunha: o domínio da palavra.
Há, contudo, um período enigmático em sua vida: o período em que a escritora foi em
exílio para o Brasil, nos anos de Salazar e essa é uma das razões que nos inclinam a nos deter
também no corpus estabelecido para este trabalho.
Partimos de um diversificado painel de pontos de interesses aparentemente divergentes, no
conjunto da produção literária da autora nos países de língua portuguesa, cujas obras transcendem
as fronteiras nacionais e étnicas –África/Portugal/Brasil –, podendo encontrar um farto repertório
temático à disposição dos leitores, consubstanciado na maior riqueza de gêneros, desde livros
infantis, novelas de cunho sentimental, romances, ensaios, crônicas, relatos de viagens, até teatro e
traduções.
Com base em sua vivência e conhecimento sobre a África, Maria Archer, na época em que
esteve radicada no Brasil, publicou:
Terras Onde se Fala Português (1957), prefaciada por Júlio Gouveia3, diz “embora sejam
nele apenas convidados os jovens à sua leitura, os adultos também podem aproveitar, se a viagem
começa como um conto de carochinha e acaba como uma aventura fantástica”. Um roteiro
ensaístico e descritivo, onde apresenta um estudo dos aspectos geográficos, étnicos, históricos e
culturais dos territórios africanos que tem o português como língua de comunicação;
Os Últimos Dias do Fascismo Português (1959), da editora Liberdade e Cultura. A 1ª
edição publicada em 1959 foi de três mil exemplares e a sua reedição, que parece não ter contado
com o consentimento da autora, ter-se-á destinado (Archer, 1972, p.3)4, “para a contribuição dos
comunistas para não sei que movimento, aí em Portugal”. São apontamentos tomados durante as
audiências do julgamento do Capitão Henrique Galvão, conforme memórias do processo político,
julgado no 1º Tribunal Militar Territorial, (Santa Clara) em Lisboa, em Dezembro de 1952;
África Sem Luz (1962), coletânea de contos e narrativas africanas densas de mistérios e
sortilégios na qual nos dá conta de um mundo poderoso e ingênuo, forte e primitivo;
Brasil, Fronteira da África (1963), em que apresenta aos brasileiros a África de expressão
portuguesa, sobretudo Angola em guerra pela independência do colonialismo salazarista; conclama
ao Brasil para que assuma o papel de “paladino” da Língua Portuguesa, comum aos três países e
impeça o seu aniquilamento como também da cultura portuguesa em Angola.
Um olhar sobre a temática deste livro, estruturado em seis capítulos, verifica-se a apresentação da condição sócio-político-cultural do povo angolano em conflito. Apresentou com base em dados históricos, a outra face do processo de colonização. A partir da vivência da guerra, a

3Júlio Gouveia, Prefácio ao livro de Maria Archer, Terras Onde se Fala Português, 2ª. Ed., São Paulo, Ed. Casa do Estudante do Brasil e Carlos de Assumpção Neves, 1957, p. 17.
4 Excerto da carta enviada ao sobrinho Professor Fernando de Pádua, na referida data.


produtora textual descortinou o panorama de um movimento bélico que ceifou mais de uma centena
de milhar de vidas. A escritora e jornalista portuguesa Maria Archer inseriu na pauta do público leitor algumas reflexões sobre a resistência da África atlântica que se expressa em idioma fraterno,
como atesta o prefácio:
O título deste livro é um brado, uma chamada. “Brasil, fronteira da África” foi publicado para lembrar aos brasileiros essa África que existe, muralhada no mistério e nas distâncias, esplendente nos longes onde nasce o sol, além, na outra margem do mare nostrum Atlântico, de olhos voltados para o Brasil. (p.5)
Trago à presença dos brasileiros, só e somente, a terra e gentes de Angola. Da África de expressão portuguesa é ela a colônia mais ensangüentada e dorida. As suas gentes, em guerra contra o colonialismo salazarista, consideram o Brasil um paradigma de liberdade, uma polarização sócio-política que as fascina. E o Brasil ignora-as. (…) O meu livro pretende ser a ponte que aproxima os povos das margens do Atlântico irmanados pelo sangue bantu. Guardei nele imagens em vias
de se diluírem na efervescência dos dias de hoje. (p.7)
A obra coloca-se como um esforço no sentido de dar visibilidade à condição dos países
africanos de que tem o Português como língua de comunicação, e um lança o apelo ao Brasil, à
manutenção da coesão social, pela solidariedade e a força unificadora da Língua Portuguesa.
A imagem da aproximação das margens do Atlântico é muito rica e fornece campo à
reflexão e o estabelecimento de paralelos entre África e o Brasil, do ponto de vista linguístico, dos
seus espaços socioculturais, da captação das dinâmicas do universo cultural, de seus imaginários
levando-os para a reflexão acerca que o teorizou o crítico brasileiro Benjamin Abdala Jr.5, acerca do “comparatismo da solidariedade”.
O código enunciativo da obra que se coloca como uma contribuição literária e um documento histórico, revela que as circunstâncias do exílio impuseram à escritora viajante e viajada a redefinição e a reconstrução de um conceito de identidade, entre os países que se comunicam
através da língua portuguesa. Na nova visada, ainda que o vínculo com o projeto estético do
passado pudesse ser mais ou menos mantido, a revisão de valores foi inevitável, num processo de
reorientação dos rumos de sua produção criativa, substancialmente, no âmbito do seu eixo temático estilístico, que agora volta-se, com intenso interesse, para a resistência ao regime político vigente em Portugal.
A nova postura adotada, pensada e vivida por Maria Archer, pode ser pressentida no teor
anticolonialista logo no prefácio da obra, onde apela à mobilização dos países e a solidariedade
entre as nações, fundada na íntima conexão dos seus destinos.
A construção da simpatia e solidariedade pelos temas da África, expressa na sua escritura,


5 ABDALA Jr. Benjamin. De Voos e Ilhas – Literatura e Comunitarismos. 2° ed., 2008. ISBN:85-
7480-168-2


constrói-se desde a sua primeira viagem à África, conforme obra publicada no Brasil, em 1963,
onde narra a experiência, na qual se foi formando a atitude de afeição à aquele continente:
No 1º quartel deste século, era eu menina, meu pai foi colocado na agência de um banco em Moçambique. Daí derivou a minha odisséia de africanista. Indo e vindo, passando uns tempos em Portugal e outros em África, foram-se quatorze anos da minha vida na terra tropical, que só reencontrei no Brasil. (p.121)
Pouco a pouco, a experiência compartilhada entre os mundos em que viveu, levou a
escritora e jornalista ao encontro de uma maneira de pensar que tendia a desconstruir os paradigmas
do conhecimento ocidental, num mundo crescente marcado pela visão anti-colonialista. A crítica
tem apontado essa condição de uma forma particular de exílio vivida por muitos intelectuais
contemporâneos, geradora de um pensamento que se esforça por articular mundos e universos
culturais diferentes.
Na outra margem do Atlântico, Maria Archer, na intenção de manifestar o seu descontentamento diante de posições, atitudes e posturas políticas que julgava incorretas, escreveu para alguns jornais, nomeadamente O ESP, Semanário e Portugal Democrático. Nas duas décadas que no Brasil viveu produziu artigos que contribuíram vivamente para a composição do movimento de resistência ao regime conservador e autoritário vigente em Portugal. Nasce dessa iniciativa conjunta com vários exilados portugueses o periódico Portugal Democrático (1955-1974), que pretendia divulgar a situação que se vivia em Portugal, e seria a concretização da aspiração de se constituir como grupo de anti-salazaristas, a partir do exílio.
Neste sentido, o olhar sobre a contribuição de Maria Archer para a imprensa de Língua
Portuguesa durante o período de exílio, além de levar-nos ao encontro com as obras acima
referenciadas colocou-nos frente a um sem número de colaborações que a autora endereçou às
publicações em jornais, sendo delas o conjunto mais representativo aquele que produziu para o
jornal OESP (1955-1957). Evidencia-se, portanto que a vida literária corria paralela à sua atuação no jornalismo.
Deste modo, ao entrar em contato vida e a obra desta mulher exuberante, autodidata, viajante e viajada, uma representante da literatura escrita por mulheres, deparei-me com um fato curioso que corroborou ainda mais a minha reflexão: O fato de, tendo ela nascido no limiar do século XX, e tendo contatado direta ou indiretamente com as correntes de pensamento que influenciaram, ou afetaram de forma intensa o ambiente político cultural português até meados dos anos cinquenta do século passado, e ser, não obstante, pouco estudada pela historiografia literária da Literatura Portuguesa.
Sem enveredar pelos meandros da reflexão sobre o percurso oneroso da mulher que se
quisesse escritora na primeira metade do século XX, reporto-me, a um registro feito por uma das
mentes mais conservadoras e carismáticas do Século XX, peço licença para expor alguns excertos
da Carta às mulheres, do Papa João Paulo II.
Carta às mulheres – Papa João Paulo II 6
Infelizmente, somos herdeiros de uma história com imensos condicionalismos que, em todos os
tempos e latitudes, tornaram difícil o caminho da mulher, ignorada na sua dignidade, deturpada nas
suas prerrogativas, não raro marginalizada e, até mesmo, reduzida à escravidão. Isto impediu-a de
ser profundamente ela mesma e empobreceu a humanidade inteira de autênticas riquezas
espirituais. […]
Assim, o meu “obrigado” às mulheres, converte-se num premente apelo a que, da parte de todos,
particularmente do Estado e das Instituições Internacionais, se faça o que for preciso para devolver
à mulher o pleno respeito da sua dignidade e do seu papel. […]
Não posso deixar de manifestar a minha admiração pelas mulheres de boa vontade que se dedicaram a defender a dignidade da condição feminina, através da conquista de direitos
fundamentais sociais, econômicos e políticos, e assumiram corajosamente tais iniciativas em
épocas em que este seu empenho era considerado um acto de transgressão, um sinal de falta de
feminilidade, uma manifestação de exibicionismo, e talvez, um pecado”
Este evento7 pode ser traduzido também, como um tributo de gratidão e reconhecimento e vem, até certo ponto, colmatar uma falha que pesa sobre o nome da autora, e não merece ser deixada ao abandono dos investigadores, tanto mais que é amplamente reconhecida pelo público-leitor.


6 Excerto extraído do Fórum Mulher, n° 3, Edição das ONG do Conselho Consultivo da CIDM.
7 Vida e Obra de Maria Archer – Uma Mulher da Diáspora foi uma iniciativa da Associação Mulher
Migrante, em parceria com a Fundação INATEL, A Câmara Municipal de Espinho e a Fundação Professor
Fernando de Pádua e realizado em 29 de Março de 2012, quinta-feira, no Teatro da Trindade – Salão Nobre– em Lisboa.

sábado, 19 de maio de 2012

SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER - INTERVENÇÃO DA DOUTORA FÁTIMA DUARTE


 “Vida e Obra de Maria Archer. Uma portuguesa da Diáspora”


Incumbe-me Sua Excelência a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade de a representar na sessão da abertura deste Encontro sobre a VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER. UMA PORTUGUESA DA DIÁSPORA … e da lusofonia, poderíamos acrescentar, atendendo à itinerância da sua vida em que percorreu grande parte das, à altura chamadas, províncias ultramarinas (e antes, colónias), Moçambique, Guiné, Angola – e significativamente uma das suas obras se chamou Roteiro do mundo português (Lisboa, Cosmos, imp. 1940) –, tendo posteriormente fixado residência no Brasil, onde viveu de 1955 a 1979.
Não é o atual o primeiro encontro entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, serviço que tem por missão garantir a execução das políticas públicas no âmbito da cidadania e da promoção e defesa da igualdade de género, e Maria Archer, a quem foi dedicada a agenda temática da CIG de Dezembro de 2010, ano em que a Agenda Temática da CIG foi dedicada a doze escritoras portuguesas, cujas obras constam no acervo bibliográfico existente no Núcleo Reservados da Biblioteca da Comissão.
Maria Archer, pela destemida singularidade do seu percurso de vida, em que se desdobrou pelas atividades de escritora (tocando a ficção, o ensaio e até a dramaturgia), jornalista1 e conferencista, integrou essa seleção,
1 Colaborou em inúmeros jornais e revistas: Acção, Comércio de Angola, Correio do Sul, Diário de Lisboa, Estado de S. Paulo, Eva, Fradique, Gazeta de São Paulo, Humanidade, Ilustração, Jornal de Notícias, Ler, Modas e Bordados, Mundo Português, O Atlântico, O Primeiro de Janeiro, Portugal Colonial, Portugal Democrático, República, Seara Nova, Semana Portuguesa, Sol, Última Hora
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
Fátima Duarte.
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salientando-se o facto, pouco comum à época, de ter sido financeiramente independente, vivendo do produto do seu trabalho, sendo ainda mais singular que esse provento advinha da escrita.
Maria Archer vem na senda das mulheres que, na viragem do século XIX para XX, lutaram por uma vida mais digna, inseridas, ou não, no movimento a favor da emancipação das mulheres em Portugal («(…) entendido como tomada de consciência do valor da pessoa, como definição do seu papel na sociedade e como contestação e revisão de preconceitos e limitações até aí impostos às mulheres.»2). Se se atender ao percurso de vida de Maria Archer e aos temas que aborda nos seus livros, percebe-se que aquelas reivindicações não lhe foram alheias.
Fiel ao seu propósito de dar visibilidade ao papel das mulheres na História, a CIG tem levado a cabo, ao longo dos tempos, estudos dedicados ao trabalho desenvolvido pelas feministas portuguesas de final do séc. XIX e início do séc. XX, com as suas preocupações do direito de voto, de inde-pendência económica e de educação das mulheres, e ao seu envolvimento social e político, em geral 3 4, editando atualmente a coleção Fio de Ariana, que pretende destacar a participação das mulheres em todas as esferas da atividade humana, evidenciando o facto que homens e mulheres
2 Silva, Regina Tavares da Silva, Feminismo em Portugal na voz de mulheres escritoras do inicio do século XX, Lisboa, CIDM, 2002 (3ª. Edição), p. 9.
3 No início da década de 80, na então Comissão da Condição Feminina, Maria Regina Tavares da Silva escreveu sobre “Feminismo em Portugal na voz das mulheres escritoras do séc. XX” inserido na colecção Cadernos Condição Feminina, nº.15, e hoje já na sua 3ª edição.
4 “Mulheres Portuguesas. Vidas e Obras celebradas – Vidas e Obras ignoradas”, que correspondeu ao 1º título da coleção Ditos & Escritos Fruto de persistente investigação ao longo dos anos 80, época ainda parca de abordagens a figuras femininas que lutaram pelos direitos das mulheres portuguesas, este 1º número apresenta pequenas biografias de Antónia Gertrudes Pusich (1805-1883), Guiomar Torrezão (1844-1898), Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), Caiël (1860-1929), Adelaide Cabete (1867-1935), Ana de Castro Osório (1872-1935), Virgínia de Castro e Almeida (1874-1945), Emília de Sousa Costa (1877-1959), Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911), Branca de Gonta Colaço (1880-1945) e Regina Quintanilha (1893-1967).
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
Fátima Duarte.
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constituem, e sempre constituíram, elementos indissociáveis e partes integrantes de um mesmo sujeito social5.
Mas porque, nas lições da História, se talham os atos do presente e os caminhos do futuro, tem vindo a CIG, no exercício das suas competências, e na qualidade de entidade coordenadora do IV PLANO NACIONAL – GÉNERO, CIDADANIA E NÃO DISCRIMINAÇÃO 2011-2013, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 18 de janeiro (IV PNI), do II PLANO NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS (II PNTSH), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010, de 29 de Novembro, e do IV PLANO NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 2011-2013 (IV PNCVD), a prestar atenção ao cruzamento entre género e as rotas da migração, quer aquela que tem Portugal como origem, quer aquela que tem Portugal como destino, implicando diferentes abordagens.
Na área estratégica 14 do IV PNI – RELAÇÕES INTERNACIONAIS, COOPERAÇÃO E COMUNIDADES PORTUGUESAS, as medidas
96 REFORÇAR A PROMOÇÃO DA IGUALDADE NAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, que tem como público-alvo nacionais residentes no estrangeiro e
5 Esta coleção conta no momento com seis Títulos:
Nº. 1 – Maria Veleda (1871-1955) de Natividade Monteiro (2004);
Nº. 2 – Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911) de Regina Tavares da Silva (2005);
Nº. 3 – A Concessão do Voto às Portuguesas – Breve Apontamento de Maria Reynolds de Souza (2006);
Nº. 4 – Deusas e Guerreiras dos Jogos Olímpicos de Isabel Cruz, Paula Silva e Paula Botelho Gomes (2006);
Nº. 5 – Mulheres e Republicanismo (1908 – 1928) de João Esteves (2008);
N.º 6 – Adelaide Cabete (1867 – 1945) de Isabel Lousada (2010).
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
Fátima Duarte.
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como indicador as ações que integram a dimensão da igualdade de género
e
97 INCLUIR A DIMENSÃO DA IGUALDADE DE GÉNERO NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES COM OS PAÍSES DE RESIDÊNCIA E TRABALHO DE NACIONAIS, que tem novamente como público alvo nacionais residentes no estrangeiro e como indicador a inclusão da temática da igualdade de género nas agendas de trabalho com esses países
visam cumprir o objetivo de consolidar e aprofundar as políticas para a igualdade de género nas comunidades portuguesas.
A afluência a Portugal de comunidades migrantes, provenientes de países onde se pratica a Mutilação Genital Feminina (MGF/C), ato de violência com base no género e que faz parte de um conjunto de práticas tradicionais nefastas que persistem na atualidade e que é uma violação clara dos Direitos Humanos, dos Direitos das Mulheres e dos Direitos das Crianças, tornou Portugal um país de risco no que concerne esta prática, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2000), partindo-se do princípio de que essas comunidades migrantes poderão continuar esta prática, quer no nosso país, quer enviando menores aos países de origem. Assim, e em cumprimento da Medida 58 do IV PNI ADOTAR NO ÂMBITO DO IV PNI O PROGRAMA DE ACÃO PARA A ELIMINAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA E PROMOVER TODAS AS SUAS AÇÕES, foi aprovado o II PROGRAMA DE AÇÃO PARA A ELIMINAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA (II POA MGF), em cumprimento do qual, no passado dia 6 de Fevereiro, se procedeu ao lançamento de folhetos informativos e de
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
Fátima Duarte.
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cartazes, destinados a profissionais e centros de saúde, e à divulgação de orientações emanadas da Direção-geral de Saúde.
A Área estratégica nº 10 – INCLUSÃO SOCIAL do IV PNI presta especial atenção aos imigrantes, público-alvo de várias das suas medidas, bem como de outras do II PNTSH e IV PNCVD, cuja enunciação não cabe aqui fazer, preferindo-se sublinhar que todas as iniciativas promovidas pela CIG, sob o tema do género e a pobreza/exclusão social, de um certo modo integram a realidade da população imigrante, na medida em que a sua maioria experiencia no nosso país condições de particular vulnerabilidade social e económica, e que, nas ações de formação dirigidas aos/às os/as técnicos/as dos CLAI – Centros Locais de Apoio à Integração de Imigrantes, as temáticas, que vão da desconstrução de estereótipos de género, género, passando pelas culturas e tradições, mutilação genital feminina, violência doméstica e tráfico de seres humanos, são contextualizadas à realidade específica da imigração e em particular das mulheres migrantes.
Por fim, e porque a investigação e o conhecimento da realidade são sempre condições necessárias a poder atuar-se sobre ela, gostaria de referir o estudo intitulado Mulheres Imigrantes Empreendedoras, de Jorge Malheiros e Beatriz Padilla (coord.) e Frederica Rodrigues, integrado na Coleção Estudos de Género6, que pretendeu conhecer as condições de trabalho e de vida dos/as imigrantes em Portugal, segundo uma abordagem de género, de modo que mais mulheres, à imagem da
6 A colecção “Estudos de Género” publica os estudos científicos que a Comissão tem vindo a promover, numa actualização da Colecção “Cadernos da Condição Feminina”. A colecção, que conta no momento com nove títulos, tem como objectivo a promoção e dinamização dos estudos sobre as Mulheres.
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
Fátima Duarte.
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evocada, possam ser independentes economicamente, pelo fruto do seu trabalho, o que ela conseguiu, quando poucas mulheres o eram.

Doutora Fátima Duarte no Encontro "Vida e obra de Maria archer"


Seminário “Vida e Obra de Maria Archer. Uma portuguesa da Diáspora”
Incumbe-me Sua Excelência a Secretária de Estado dos Assuntos Parlamentares e da Igualdade de a representar na sessão da abertura deste Encontro sobre a VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER. UMA PORTUGUESA DA DIÁSPORA … e da lusofonia, poderíamos acrescentar, atendendo à itinerância da sua vida em que percorreu grande parte das, à altura chamadas, províncias ultramarinas (e antes, colónias), Moçambique, Guiné, Angola – e significativamente uma das suas obras se chamou Roteiro do mundo português (Lisboa, Cosmos, imp. 1940) –, tendo posteriormente fixado residência no Brasil, onde viveu de 1955 a 1979.
Não é o atual o primeiro encontro entre a Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, serviço que tem por missão garantir a execução das políticas públicas no âmbito da cidadania e da promoção e defesa da igualdade de género, e Maria Archer, a quem foi dedicada a agenda temática da CIG de Dezembro de 2010, ano em que a Agenda Temática da CIG foi dedicada a doze escritoras portuguesas, cujas obras constam no acervo bibliográfico existente no Núcleo Reservados da Biblioteca da Comissão.
Maria Archer, pela destemida singularidade do seu percurso de vida, em que se desdobrou pelas atividades de escritora (tocando a ficção, o ensaio e até a dramaturgia), jornalista1 e conferencista, integrou essa seleção,
1 Colaborou em inúmeros jornais e revistas: Acção, Comércio de Angola, Correio do Sul, Diário de Lisboa, Estado de S. Paulo, Eva, Fradique, Gazeta de São Paulo, Humanidade, Ilustração, Jornal de Notícias, Ler, Modas e Bordados, Mundo Português, O Atlântico, O Primeiro de Janeiro, Portugal Colonial, Portugal Democrático, República, Seara Nova, Semana Portuguesa, Sol, Última Hora
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Fátima Duarte.
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salientando-se o facto, pouco comum à época, de ter sido financeiramente independente, vivendo do produto do seu trabalho, sendo ainda mais singular que esse provento advinha da escrita.
Maria Archer vem na senda das mulheres que, na viragem do século XIX para XX, lutaram por uma vida mais digna, inseridas, ou não, no movimento a favor da emancipação das mulheres em Portugal («(…) entendido como tomada de consciência do valor da pessoa, como definição do seu papel na sociedade e como contestação e revisão de preconceitos e limitações até aí impostos às mulheres.»2). Se se atender ao percurso de vida de Maria Archer e aos temas que aborda nos seus livros, percebe-se que aquelas reivindicações não lhe foram alheias.
Fiel ao seu propósito de dar visibilidade ao papel das mulheres na História, a CIG tem levado a cabo, ao longo dos tempos, estudos dedicados ao trabalho desenvolvido pelas feministas portuguesas de final do séc. XIX e início do séc. XX, com as suas preocupações do direito de voto, de inde-pendência económica e de educação das mulheres, e ao seu envolvimento social e político, em geral 3 4, editando atualmente a coleção Fio de Ariana, que pretende destacar a participação das mulheres em todas as esferas da atividade humana, evidenciando o facto que homens e mulheres
2 Silva, Regina Tavares da Silva, Feminismo em Portugal na voz de mulheres escritoras do inicio do século XX, Lisboa, CIDM, 2002 (3ª. Edição), p. 9.
3 No início da década de 80, na então Comissão da Condição Feminina, Maria Regina Tavares da Silva escreveu sobre “Feminismo em Portugal na voz das mulheres escritoras do séc. XX” inserido na colecção Cadernos Condição Feminina, nº.15, e hoje já na sua 3ª edição.
4 “Mulheres Portuguesas. Vidas e Obras celebradas – Vidas e Obras ignoradas”, que correspondeu ao 1º título da coleção Ditos & Escritos Fruto de persistente investigação ao longo dos anos 80, época ainda parca de abordagens a figuras femininas que lutaram pelos direitos das mulheres portuguesas, este 1º número apresenta pequenas biografias de Antónia Gertrudes Pusich (1805-1883), Guiomar Torrezão (1844-1898), Carolina Michaëlis de Vasconcelos (1851-1925), Caiël (1860-1929), Adelaide Cabete (1867-1935), Ana de Castro Osório (1872-1935), Virgínia de Castro e Almeida (1874-1945), Emília de Sousa Costa (1877-1959), Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911), Branca de Gonta Colaço (1880-1945) e Regina Quintanilha (1893-1967).
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
Salão Nobre do Teatro da Trindade
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constituem, e sempre constituíram, elementos indissociáveis e partes integrantes de um mesmo sujeito social5.
Mas porque, nas lições da História, se talham os atos do presente e os caminhos do futuro, tem vindo a CIG, no exercício das suas competências, e na qualidade de entidade coordenadora do IV PLANO NACIONAL – GÉNERO, CIDADANIA E NÃO DISCRIMINAÇÃO 2011-2013, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 5/2011, de 18 de janeiro (IV PNI), do II PLANO NACIONAL CONTRA O TRÁFICO DE SERES HUMANOS (II PNTSH), aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 94/2010, de 29 de Novembro, e do IV PLANO NACIONAL CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA 2011-2013 (IV PNCVD), a prestar atenção ao cruzamento entre género e as rotas da migração, quer aquela que tem Portugal como origem, quer aquela que tem Portugal como destino, implicando diferentes abordagens.
Na área estratégica 14 do IV PNI – RELAÇÕES INTERNACIONAIS, COOPERAÇÃO E COMUNIDADES PORTUGUESAS, as medidas
96 REFORÇAR A PROMOÇÃO DA IGUALDADE NAS COMUNIDADES PORTUGUESAS, que tem como público-alvo nacionais residentes no estrangeiro e
5 Esta coleção conta no momento com seis Títulos:
Nº. 1 – Maria Veleda (1871-1955) de Natividade Monteiro (2004);
Nº. 2 – Carolina Beatriz Ângelo (1877-1911) de Regina Tavares da Silva (2005);
Nº. 3 – A Concessão do Voto às Portuguesas – Breve Apontamento de Maria Reynolds de Souza (2006);
Nº. 4 – Deusas e Guerreiras dos Jogos Olímpicos de Isabel Cruz, Paula Silva e Paula Botelho Gomes (2006);
Nº. 5 – Mulheres e Republicanismo (1908 – 1928) de João Esteves (2008);
N.º 6 – Adelaide Cabete (1867 – 1945) de Isabel Lousada (2010).
Encontro “Vida e Obra de Maria Archer Uma Portuguesa da Diáspora”
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como indicador as ações que integram a dimensão da igualdade de género
e
97 INCLUIR A DIMENSÃO DA IGUALDADE DE GÉNERO NO CONTEXTO DAS RELAÇÕES COM OS PAÍSES DE RESIDÊNCIA E TRABALHO DE NACIONAIS, que tem novamente como público alvo nacionais residentes no estrangeiro e como indicador a inclusão da temática da igualdade de género nas agendas de trabalho com esses países
visam cumprir o objetivo de consolidar e aprofundar as políticas para a igualdade de género nas comunidades portuguesas.
A afluência a Portugal de comunidades migrantes, provenientes de países onde se pratica a Mutilação Genital Feminina (MGF/C), ato de violência com base no género e que faz parte de um conjunto de práticas tradicionais nefastas que persistem na atualidade e que é uma violação clara dos Direitos Humanos, dos Direitos das Mulheres e dos Direitos das Crianças, tornou Portugal um país de risco no que concerne esta prática, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (2000), partindo-se do princípio de que essas comunidades migrantes poderão continuar esta prática, quer no nosso país, quer enviando menores aos países de origem. Assim, e em cumprimento da Medida 58 do IV PNI ADOTAR NO ÂMBITO DO IV PNI O PROGRAMA DE ACÃO PARA A ELIMINAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA E PROMOVER TODAS AS SUAS AÇÕES, foi aprovado o II PROGRAMA DE AÇÃO PARA A ELIMINAÇÃO DA MUTILAÇÃO GENITAL FEMININA (II POA MGF), em cumprimento do qual, no passado dia 6 de Fevereiro, se procedeu ao lançamento de folhetos informativos e de
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cartazes, destinados a profissionais e centros de saúde, e à divulgação de orientações emanadas da Direção-geral de Saúde.
A Área estratégica nº 10 – INCLUSÃO SOCIAL do IV PNI presta especial atenção aos imigrantes, público-alvo de várias das suas medidas, bem como de outras do II PNTSH e IV PNCVD, cuja enunciação não cabe aqui fazer, preferindo-se sublinhar que todas as iniciativas promovidas pela CIG, sob o tema do género e a pobreza/exclusão social, de um certo modo integram a realidade da população imigrante, na medida em que a sua maioria experiencia no nosso país condições de particular vulnerabilidade social e económica, e que, nas ações de formação dirigidas aos/às os/as técnicos/as dos CLAI – Centros Locais de Apoio à Integração de Imigrantes, as temáticas, que vão da desconstrução de estereótipos de género, género, passando pelas culturas e tradições, mutilação genital feminina, violência doméstica e tráfico de seres humanos, são contextualizadas à realidade específica da imigração e em particular das mulheres migrantes.
Por fim, e porque a investigação e o conhecimento da realidade são sempre condições necessárias a poder atuar-se sobre ela, gostaria de referir o estudo intitulado Mulheres Imigrantes Empreendedoras, de Jorge Malheiros e Beatriz Padilla (coord.) e Frederica Rodrigues, integrado na Coleção Estudos de Género6, que pretendeu conhecer as condições de trabalho e de vida dos/as imigrantes em Portugal, segundo uma abordagem de género, de modo que mais mulheres, à imagem da
6 A colecção “Estudos de Género” publica os estudos científicos que a Comissão tem vindo a promover, numa actualização da Colecção “Cadernos da Condição Feminina”. A colecção, que conta no momento com nove títulos, tem como objectivo a promoção e dinamização dos estudos sobre as Mulheres.




evocada, possam ser independentes economicamente, pelo fruto do seu trabalho, o que ela conseguiu, quando poucas mulheres o eram.

terça-feira, 15 de maio de 2012

SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER Mensagem de Cristina Archer


“Foi com enorme surpresa que descobri a obra da minha tia-avó Maria Archer, na homenagem que lhe foi
prestada no dia 29 de Março de 2012 no Teatro Nacional da Trindade.

Surpresa e alegria, por descobrir que foi pioneira a combater "o conceito arcaico da inferioridade mental da
mulher" (nas suas próprias palavras).

Luta com a qual não posso deixar de me identificar, como mulher, na procura de uma sociedade mais
solidária e mais justa, onde todos os seres humanos sejam livres e iguais em dignidade e direitos.

Surpresa e tristeza, por descobrir o afastamento da família, pelos preconceitos de que foi alvo por ter
quebrado as tradições, por não ter chegado a conhecê-la.

É com entusiasmo que inicio um caminho de descoberta, através da leitura dos seus livros!”

Cristina Archer , sobrinha-neta de Maria Archer, 13-05-2012

sexta-feira, 11 de maio de 2012

SAUDADES DE MARIA ARCHER Maria Manuela Aguiar



Poderão  perguntar porque se envolveu a Assoc MM na evocação de Maria Archer, em sucessivas iniciativas -  no Encontro Mundial da Mulheres Portuguesas da Diáspora, em Novembro de 2011, na comemoração do Dia Internacional da Mulher, 2012, na cidade de Espinho e, agora, em Lisboa, nesta sessão que nos reúne no Teatro Nacional da Trindade.
Responderemos que razões não nos faltam para  justificar o empenhamento cívico e o sentido ético com que o fazemos. Uma primeira razão tem evidentemente a ver com o facto de Maria Archer ter sido uma Portuguesa expatriada. Uma grande Portuguesa da Diáspora, que, desde a sua juventude, passou largos anos em cinco países da lusofonia, e em 3 continentes,  olhando sempre em volta, com uma inteira compreensão das pessoas, dos ambientes, dos meios sociais, que  soube traduzir em dezenas de escritos de incomensurável valor literário e, também, de muito interesse etnológico, sociológico e político.... Seria motivo bastante para nos lançarmos na aventura de partir à procura desse legado multifacetado e vasto, que guarda  experiências e segredos de tanta gente
 e de tantas terras.  Mas há mais...

Maria Archer é uma daquelas figuras do passado, que é intemporal, por saber captar as constantes da natureza humana, ou por se constituir na memória crítica de um tempo português, que foi opressivo e cinzento, pautado por estreitos conceitos e por regras de jogo social e político, que  inteligentemente desvenda e que põe em causa,  sem contemplações.
 Ninguém como ela retrata a vida quotidiana desse Portugal estagnado e anacrónico, avesso a qualquer forma de progresso e de modernidade,  em que os mais fracos, os mais pobres não têm um horizonte de esperança, e as mulheres,  em particular, são  dominadas pela força das leis, pelo cerco das mentalidades, pela censura dos costumes, depois de terem sido deformadas pela educação. Tendo por pano de fundo os estereótipos impostos para o relacionamento de sexos, a entronização rígida dos papéis de género dentro da famílias e as consequentes desigualdades, distâncias e preconceitos sociais, num doloroso e longo impasse da nossa história colectiva, .Maria Archer vai dar presença às portuguesas suas contemporâneas, tal como elas foram, com um realismo, que é, sem dúvida e quer ser, uma busca e uma evidência da verdade - doa a quem doer e  para que se saiba... então e no futuro.

 Na melhor tradição nacional, Maria Archer, a mais feminista das escritoras portuguesas, é uma "feminista muito feminina", que ousou ser um ícone de beleza e de distinção e  ter  uma carreira  no jornalismo e  nas Letras , em simultâneo,  fazendo combate pela dignidade  e pela  afirmação das capacidades intelectuais e profissionais negadas à mulher..
 Ousou fazer um nome no mundo fundamentalmente másculo da cultura portuguesa.  Ousou ser Maria Archer, sem pseudónimos...

Na verdade, por tudo isto, julgo que podemos dizer que ela é mais do nosso tempo do que do seu tempo - aliás, uma afirmação que se deve generalizar às mais notáveis feministas do princípio do século XX, que dão rosto à exposição da Câmara Municipal de Espinho, há pouco, inaugurada aqui, nas salas e corredores do Teatro da Trindade.
Maria era, então, demasiado jovem para poder participar nos movimentos revolucionários  em que estiveram a Liga Republicana das Mulheres Portuguesas ou o Conselho Nacional Das Mulheres Portuguesas, mas iria ser uma das poucas  que, no período de declínio desses movimentos e de desaparecimento de uma geração incomparável,
continuou, a seu modo, solitariamente, uma luta incessante contra o obscurantismo,que condenava a metade feminina de Portugal à subserviência, à incultura, ao enclausuramento doméstico.

 Maria Archer foi uma inconformista,  consciente das discriminações e das injustiças, em geral, e, em particular das  que condicionavam o sexo feminino, numa sociedade  retrógrada e, como se diria em linguagem actual, "fundamentalista", em que o regime  impôs a regressão às doutrinas e práticas de um patriarcalismo ancestral.
A escrita, servida pelos dons de inteligência, de observação e de expressividade  foi  para Maria Archer uma arma de combate  político. Como dizia Artur Portela, "a sua pena parece por vezes uma metralhadora de fogo rasante". 
É um combate em que a sua vida e a sua arte  se fundem - norteadas por um ostensivo  propósito de valorização dos valores femininos, de libertação da mulher e, com ela, da sociedade como um todo.
Ela é já uma Mulher livre num país ainda sem liberdade - coragem que lhe custou o preço de um  tão longo exílio ...

 Maria Archer é uma grande escritora (ou um grande escritor, como alguns preferem precisar, alargando o campo das comparações possíveis). E pode ser lida apenas como tal. Mas permite -nos também diversas outras leituras.
 Uma leitura sociológica, antropológica, política...
 Ninguém. como ela , escrutinou e caracterizou o pequeno mundo da sociedade portuguesa da 1ª metade do século XX, das famílias, pobres ou ricas, decadentes ou ascendentes, aristocratas, burguesas, "povo" - todos  imersos na nebulosa de preconceitos de género e de classe, de vaidades, de ambições, de prepotências e temores...
"Aurea mediocritas", brandos costumes implacáveis... o mundo de contradições   de um Estado velho, que se chamava Estado Novo.
 Ou uma leitura feminista... Ninguém como ela conseguiu corroer essa imagem da "fada do lar", meticulosamente construída sobre a ideia falsa da harmonia de desiguais (em que, noutro plano, se baseava a ideologia corporativa do regime), da falsa brandura do autoritarismo e da subjugação no círculo pequeno da família como no mais alargado, o  do País. Maria Archer é uma retratista magistral da mulher e da sua circunstância... O rigor da narrativa, a densidade das personagens, a qualidade literária, só podiam agravar, aos olhos do regime, a força subversiva da  denúncia. Na crueza da palavra. Na nitidez do traço... 
O regime não gostou desses retratos femininos, como não gostava da Autora. Primeiro, tentou desqualificá-la, desvaloriza-la . Sintomática a opinião de um homem do regime, Franco Nogueira, que em contra-corrente , num texto com laivos misóginos,  a apresenta como apenas uma mulher a falar de coisa ligeiras e desinteressantes, (como o destino das mulheres....). Sintomático também que a crítica seja divulgada pela própria editora da romancista. a par de tantas outras, todas de sentido contrário.
Não tendo conseguido os seus intentos, o Poder passou à acção: os seus livros foram  apreendidos,  os jornais onde trabalhava ameaçados de encerramento... Maria Archer viu-se forçada a partir para o Brasil - uma última e infindável aventura de expatriação, de onde só viria, envelhecida e fragilizada, para morrer em Lisboa.

Mas o desterro não era pena bastante! Teresa Horta, no prefácio da reedição de "Ela era apenas mulher"
afirma que Maria Archer foi deliberadamente apagada da História. Sim, o ser emigrante é já factor comum de esquecimento, como que  natural, na memória da Pátria, mas este caso foi um caso mais grave, e doloso...
Uma outra razão  para intervirmos, pois ainda é tempo de vencermos  o  acto persecutório, implacavelmente executado há décadas, para restituirmos à vida e obra de Maria Archer o lugar que lhes é devido no mundo vivo da
 cultura portuguesa...
E se é certo que revisitar a Mulher de Letras, através dos seus escritos, tem, da nossa parte,  esse objectivo proclamado de desvendar o passado, de lançar luz sobre a realidade insuficientemente analisada e realçada da sociedade portuguesa de 40 e 50,  é também um momento mágico de reencontrar a própria Maria Archer,  bem viva em páginas fulgurantes de tantos dos seus livros, artigos, crónicas - sobretudo quando fala na primeira pessoa do singular. Pela elegância do seu estilo, torna-se, afinal, sempre um prazer acompanhá -la nas incursões ao universo bafiento e confinado que se confrontaram e conviveram as portuguesas e os portugueses durante meio século - e em que as personagens femininas raras vezes cumprem as suas  capacidades e os seus sonhos (mesmo que modestos), e os enredos quase nunca têm um fim feliz  - ou justo...

Elegância é uma palavra que quadra com Maria Archer, que a caracteriza na maneira como pensou, como escreveu, como se vestiu e apresentou em sociedade, como atravessou uma rua de Lisboa ou de São Paulo, como atravessou uma vida inteira, até ao fim...
Até ao fim, não! Estamos aqui justamente reunidos pelo projecto de lhe assegurar uma segunda vida, no sentido em que  Pascoaes dizia: "Existir não é pensar, é ser lembrado".
Este não é o primeiro nem será o nosso último encontro sobre ela, a sua personalidade, o seu exílio, o seu retorno... Talvez um próximo encontro aconteça em São Paulo... sobre a obra ou a pessoa  - qual delas a mais interessante?
A pessoa é certamente tão fascinante como a mensagem da escritora. E ainda mais desconhecida.
Mas só assim continuará se não quisermos conhecê-la, porque ela está lá, eternamente jovem e vibrante, em muitas das páginas que nos deixou, para poderemos ler e reler.
Dizia a   Mariana desse esplêndido romance que é  o "Bato às portas da vida": "Ando na saudade de mim, mesmo perdida no tempo"
E nós queremos, afinal, andar na saudade de Maria Archer, reencontrada no nosso tempo, que esperamos seja o do  início do  correr interminável do seu tempo futuro..

SEMINÁRIO SOBRE MARIA ARCHER - INTERVENÇÃO DE RISOLETA PINTO PEDRO


VIDA E OBRA DE MARIA ARCHER, UMA PORTUGUESA DA DIÁSPORA
29 DE MARÇO DE 2012
A propósito de Maria Archer
Viagens, diásporas e exílios
Ser escritora hoje
Sendo esta iniciativa uma parceria de várias entidades, entre as quais a associação “Mulher Migrante”, acho muito curioso este convite que me foi endereçado, eu que sou uma imigrante de mim em mim mesma. É também interessante o nome desta associação, porque contém em si os dois movimentos: para dentro e para fora, sendo que é sempre muto difícil saber, ao certo, o que é dentro, o que é fora. É muitas vezes quando saímos que encontramos o dentro; e vice-versa.
Disseram-me, há relativamente pouco tempo, para meu espanto: “Para quem gosta tanto de viajar, viajas muito pouco”. O espanto veio-me de nunca ter partilhado, com quem me falava, o meu amor pela viagem, penso até que nem comigo partilhara este secreto gosto, mas também me veio o espanto da declaração de que eu viajo muito pouco. Porque é verdade. Porque não é verdade. Porque nunca pensei nisto nem como um facto nem como uma limitação. Estou como Garrett, no início das Viagens na minha Terra:
“Que viaje à roda do seu quarto quem está à beira dos Alpes, de Inverno, em Turim, que é quase tão frio como Sampetersburgo —entende-se. Mas com este clima, com este ar que Deus nos deu, onde a laranjeira cresce na horta, e o mato é de murta, o próprio Xavier de Maistre, que aqui escrevesse, ao menos ia até o quintal. Eu muitas vezes, nestas sufocadas noites de Estio, viajo até à minha janela para ver uma nesguita de Tejo que está no fim da rua, e me enganar com uns verdes de árvores que ali vegetam sua laboriosa infância nos entulhos do Cais do Sodré. “

No entanto, apesar de mais de meio século de diferença, tenho em comum com Maria Archer o facto de ambas termos iniciado a diáspora na infância. As minhas viagens tiveram início logo ao nascer, andei em diáspora fora de mim cá dentro, a viagem dela iniciou-se mais tarde, depois dos 10 anos, creio, mas foi geograficamente muito mais ampla, começou em África e mais tarde ampliou-se ao Brasil. Mantendo a unidade da língua com que pensou, sentiu, viveu e escreveu.

Intitulei esta reflexão como “… e hoje?”, mas também poderia chamar-lhe “os exílios”, sendo que este conceito é tão escorregadio como o de diáspora. Porque me parece que o verdadeiro exílio de Maria Archer aconteceu quando voltou para Portugal terminando seus dias num asilo. O asilo foi o exílio. No entanto, não sabemos que viagens esse asilo exílio não terá proporcionado dentro dela, quantos livros para sempre absolutamente inéditos não terá escrito, quantas novas paisagens não terá visitado antes de partir, finalmente, para a que me parece a maior das diásporas, mas não dos exílios.
Gostaria de conseguir fazer aqui em poucas palavras o que me foi sugerido: a ponte entre duas épocas, o início do século XX e o início do século XXI, quase um século depois, que diásporas, que exílios? Somos, aparentemente, de diferentes tempos, no entanto ainda respirámos o mesmo ar do planeta. Pouco depois de eu nascer ela parte para o Brasil e espanta-me que ninguém me tenha dito nada. Se uma fada me tivesse segredado ao ouvido, ainda no berço: “partiu para o Brasil Maria Archer”, que música teria permanecido em mim deste sopro misterioso, que alteração de rota poderia ter sofrido a minha vida? Que outras viagens? Mas pensando bem… não terá a fada segredado algo assim? De onde me teria vindo desde muito pequena a saudade do Brasil onde, aparentemente, nunca estive? Pergunto-me então: Que outra rota teria sido a minha se a fada não me tivesse segredado este segredo? Estaria hoje aqui?
Em 77, já doente, Maria  Archer é internada em S. Paulo e nasce o meu primeiro filho. Em 82 parte para a grande viagem, um dia depois de nascer o meu segundo filho. Ela já não estava cá quando do nascimento da minha terceira filha nem da partida do primeiro. Por essa altura eu andava ainda entretida a ter e a perder filhos. Ela tinha escrito muitos livros e inúmeros artigos.
À escrita dela, João Gaspar Simões atribuiu as características de “força e solidez”, o que poderia ser, se quiséssemos, o estereótipo da escrita de um homem. Mas não é. Acredito numa escrita masculina e numa escrita feminina, mas não acredito numa escrita de homens e numa escrita de mulheres. Tenho visto homens a escrever com tal sensibilidade, que nunca mais poderei garantir, perante uma página anónima, se foi escrita por um homem, se por uma mulher. Por sua vez, Maria Archer parte, muitas vezes, da temática feminina mas fá-lo ultrapassando todos os limites, de forma crítica e política. Com força e solidez. O que não implica ausência de sensibilidade e vulnerabilidade. Ampliou o universo das mulheres, da limitação que então era ainda, ser mulher, fez rampa de lançamento para uma ampla visão social e universal.
E hoje? O que é ser escritora hoje, depois de ter sobrevivido a tantas invisíveis diásporas? Escrevo livros como se pintasse quadros ou como se cozinhasse requintados pratos, ou como se dançasse com o Universo. Ser escritora hoje, é dizer: Estou viva, amo o Sol, sou visitada pela Lua e sou Terra.
A preocupação de Maria Archer com o feminino mantém-se hoje em nós. Com a diferença de que agora temos a consciência mais clara de que o feminino não são apenas as mulheres. O feminino é tudo o que é acolhedor e vulnerável no Universo. São as mulheres, as crianças, todos os seres frágeis e desprotegidos, os próprios homens na confusa busca acerca do seu novo papel no Universo e a natureza. O feminino é, afinal, a Terra, este planeta útero tão maltratado. Da compreensão da importância do feminino depende a nossa sobrevivência. Já não se trata de defender direitos de uma parte. Trata-se de sobrevivermos todos. Enquanto a Terra, essa primeira mulher, for violada, os bebés continuarão a nascer com dor e as mulheres sentirão as dores do planeta. Porque tudo é o mesmo. E não há política mais ou menos rasca que nos salve. No entanto, há sinais de esperança. O planeta começa a ser olhado como Mãe, o nascimento dos bebés a ser compreendido como o momento mais determinante para a vida de um ser, e talvez um dia, quando todos os seres secundarizados como as mulheres, as crianças, os animais, uma parte significativa dos homens e a natureza em geral, viverem com a dignidade que lhes cabe, talvez então os humanos possam realmente sê-lo e encontrar o seu V Império, ou o Espírito Santo, ou a  Graça, e ser felizes. Maria Archer deu o seu contributo, de acordo com a sua época, mais à frente do que a sua época. As escritoras hoje estão, creio, sinto-o nas minhas diásporas fora e dentro de mim, atentas ao tratamento dado a esta grande fêmea que é a Terra. Elas também em diáspora mais à frente que a sua época, para evitar a ameaça do grande de exílio, para que possa haver a próxima época e ainda muitas viagens e, porque não?, muitas diásporas.
Ser escritora hoje é migrar para além da Mulher, é abraçar todos os seres, acolher a Terra e todos os homens. Continua a ser, como para Maria Archer, passar para além dos limites, das fronteiras, das paredes, dos muros, das marcas, de todos os marcos e limitações e reaprender o que só a ilusão nos fez acreditar que deixáramos de ser: Inocentes e Unos. Todos. Sem exceção.

Risoleta C. Pinto Pedro
http://aluzdascasas.blogspot.pt

terça-feira, 8 de maio de 2012

Academias do Bacalhau - Encontro em PUTEAUX

Fui, desde a primeira hora, uma incondicional admiradora das Academias
de Bacalhau. Ou seja, desde a tomada de conhecimento do modelo
associativo que representam e do primeiro contacto com  os Fundadores
da Academia "mãe de todas as outras", que é a de Joanesburgo. Foi o
próprio Dr Durval Marques quem me explicou o modo de funcionamento, os
grandes objectivos e as grandes realizações que, já então, numa fase
ainda inicial, levavam a cabo os auto denominados "Compadres".
Estava, sem sombra de dúvida, perante um desenvolvimento absolutamente
original e extraordinário do movimento associativo português na
Diáspora. A ideia era genial: partir do convívio de amigos, festivo e
informal, enquadrado, porém, em rituais inspirados em divertidas
"praxes" de inspiração académica, para recolher fundos que permitissem
responder a projectos culturais e a necessidades e problemas sociais
sentidos na comunidade. Mas, claro, não bastava a "ideia" - para lhe
dar vida eram necessários os "idealistas". Ora, felizmente, desde o
momento da criação da primeira Academia até aos nossos dias, foi o que
nunca faltou!
As Academias não precisam ,para funcionar, de sedes de pedra e cal -
elas estão onde está a sua gente, actuante e dinâmica, pronta a reunir
em encontros que podem acontecer em qualquer lugar  - à imagem do
próprio País, que é mais a sua Cultura, a coesão de um projecto
nacional, o seu Povo, a sua Diáspora, do que o seu pequeno
território...
Achando o esquema perfeito, não podia, porém, nessa época, adivinhar o
crescimento e a dimensão universal que este paradigma associativo
assumiria no futuro. Uma feliz evolução, que se iniciou, de uma forma
espontânea e natural, quando emigrantes regressados da África do Sul
trouxeram consigo a boa tradição convivial e benemerente das
Academias, que logo se espalharam pelo País. E, nesse "élan", não
pararam nas nossas fronteiras geográficas, depressa chegaram às
comunidades da Diáspora. E aqui assumiram um papel singular e
verdadeiramente único no domínio do movimento associativo português,
que é forte por todo o lado, grandioso, mesmo, em vários países e
continentes, mas ao qual faltava, o que existe nos outros países
europeus de emigração: a vertente de diálogo e de ligação
internacional entre comunidades dispersas no mundo inteiro.
Hoje, os Congressos das Academias do Bacalhau são verdadeiros
congressos universais de Portugalidade, de afirmação da cultura e da
solidariedade.
Que fantástica história de sucesso!
E como mostra virtualidades de responder aos desafios dos novos
tempos, em França, na Europa e em outros continentes, agora que emerge
uma emigração portuguesa tão diferente da que marcou o século XX!  Uma
emigração inesperada (pelo menos para alguns, para os mais desatentos)
nas características, no volume, na forma de de relacionar com a
sociedade de destino e com a terra de origem.
O associativismo tradicional tem o seu lugar, com um património
histórico e uma capacidade demonstrada de estruturação da vivência
colectiva de muitos, mas novas fórmulas são essenciais para trazer
outros, também muitos e cada vez mais, para a vida comunitária. A
Academia da Bacalhau de Paris está numa verdadeira "linha da frente"
para atrair e congregar uma nova geração de mulheres e homens, capazes
de grandes empreendimentos pessoais e, também, colectivos, se tiverem
ao dispor os instrumentos adequados.
Foram momentos inesquecíveis, os que passei, com os Compadres e
Comadres da Academia de Paris numa dessas belas Associações, que chamo
"tradicionais", em Puteaux, e espero que encontros nas "casas
portuguesas" da Diáspora possam, assim, prosseguir - em boa harmonia e
cooperação.
Agradeço essa oportunidade de convívio inesquecível, e também, a de
lhes poder dar a minha visão pessoal da importância de todas as
"Academias" e da de Paris em particular.
Celebrar alegria de viver, num círculo de amigos, e fazer beneficência
e progresso no círculo alargado dos que de nós precisam, é um belo
projecto, que convosco partilho.


MARIA MANUELA AGUIAR

quarta-feira, 2 de maio de 2012

A ATRIBUIÇÃO DO NOME DE MARIA LAMAS A UMA ESCOLA DO PORTO

Fina d’Armada Quando eclodiu a revolução dos cravos, em 1974, a gente quis voar como pássaros a quem libertam da gaiola. Tínhamos fome de mudança. Eu trabalhava como professora numa escola feminina do Porto que não tinha edifício nem nome. Era uma secção da escola preparatória Gomes Teixeira, com sede na Praça da Galiza, mas funcionava no edifício da escola “secundária” Clara de Resende, em frente ao estádio do Bessa. Com a revolução e a vontade de construir um mundo novo, os diretores das escolas foram substituídos por comissões de gestão eleitas. Ora, eu fui uma das eleitas. E um dos nossos objetivos foi lutarmos por uma escola independente. Para isso, precisávamos de arranjar um patrono. Como a escola era feminina, propuseram-se nomes de mulheres. Surgiram dois fortes – Guilhermina Suggia, uma violoncelista de renome mundial, e Maria Lamas, talvez sugerida por mim. A primeira estava dentro dos parâmetros da lei – era do Porto e falecida. A segunda não se enquadrava. Era de Torres Novas e ainda viva. Contudo, Maria Lamas tinha estado exilada em França e chegou com a revolução tal como Álvaro Cunhal e Mário Soares. Ao tempo, se Mário Soares era o pai da Democracia, Maria Lamas era vista como a mãe dessa era nova. Em reunião de assembleia de escola, ganhou Maria Lamas. E como era o tempo de “o povo é quem mais ordena”… A comissão de gestão travou uma luta árdua. Recordo que fomos duas vezes a Lisboa, à Direcção do Ensino Básico. Acho que o diretor era Rogério Fernandes. E fomos também várias vezes (eu recordo ter ido só uma vez, mas outros membros da comissão, éramos cinco, foram mais vezes) falar com o presidente da Câmara do Porto, que era o famoso Carlos Cal Brandão. A criação da escola preparatória Maria Lamas veio no “Diário de Governo”, a 1 de Abril de 1975. Eu escrevi um artigo no “Jornal de Notícias”, noticiando a nova escola com uma breve biografia de Maria Lamas, em 11 de Outubro de 1975. E foi a nossa insistência, as nossas idas a Lisboa, a revolução que tudo alterava, com a ajuda do presidente da Câmara do Porto e o diretor do Ensino Básico, que conseguimos atribuir a uma escola um nome “fora da lei”. Maria Lamas soube desde o início dessa homenagem, nós telefonámos-lhe. A título de curiosidade, o nome “Maria Lamas” foi atribuído, pelo menos, a 16 ruas do País.